Jogo da Glória

3/01/2006

Dá que pensar!

"Na verdade, o que aconteceu no 24 Horas, quando a redacção foi invadida por polícias e magistrados, só não causou estragos maiores porque ainda se conseguiu recorrer aos tribunais. Mas será tal possível quando, um destes dias, alguém se apresentar numa redacção invocando o ponto 1 do artigo 53º da dita lei: "A ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social] pode proceder a averiguações e exames em qualquer entidade ou local, no quadro da prossecução das atribuições que lhe estão cometidas, cabendo aos operadores de comunicação social alvo de supervisão facultar o acesso a todos os meios necessário para o efeito". Nem mandato judicial, nem justificação plausível, apenas a exigência de um tapete vermelho para senhores que nem sequer necesitam de ser funcionários da ERC.
Dir-se-á que tal nunca sucederá pois a ERC não vai precisar de irromper pelas redacções. Talvez, mas a lei prevê que entre os seus poderes de "supervisão" está o de apreciar se um jornal ou uma televisão cumpre "em matéria de rigor informativo". Será que para o fazer não quererá vasculhar, por exemplo, as notas dos jornalistas? As gravações que não foram transmitidas? A lei, tal como está redigida, não o impede...
E que dizer da sua misteriosa obrigação de "proceder à identificação dos poderes de influência sobre a opinião pública, na perspectiva da defsa do pluralismo e da diversidade, podendo adoptar as medidas necessárias à sua salvaguarda"? Se a lei estivesse em vigor no tempo em que Marcelo ainda estava na TVI e batia recordes de audiência a ERC podia, ou porventura até devia, recomendar a José alberto Moniz que o tirasse do ar. É que ele seria suspeito do "crime" de excessiva influência sobre a opinião pública, curiosamente o mesmo de que Santana se queixava...
Temos pois que uma entidade que devia servir a liberdade, garantindo o pluralismo por via da regulação da concorrência, pode descambar numa polícia da liberdade. Mais: no clima em que hoje vivemos, depois das sugestões dadas por ministros sobre como se devem portar os jornalistas face a um Ministério Público assanhado e face a esta decisão judicial [considerar que é legítimo vasculhar computadores de jornalistas], só falta mesmo que se acrescente ao Código Penal, como está em discussão, um novo crime só para jornalistas: o "crime de perigo", aplicável a qualquer trabalho que possa, por exemplo, prejudicar uma investigação criminal, logo aplicável a todo o jornalismo de investigação.
A liberdade de informação já viveu melhores dias em Portugal""
José Manuel Fernandes, in Público

Não deixa de ser curioso que o director do Público, o jornal que menos investigação faz no país entre os mais lidos dos diários nacionais (na minha humilde opinião), venha alegar o crime de perigo e defender um dos jornais que mais voltas dá até encontrar a notícia (24 Horas)..... Em todo o caso, costumo gostar do que o senhor escreve e não podia deixar de passar ao lado do seu editorial de hoje..... Porque todos parecem estar indiferentes ao bloqueio informativo que se pode avizinhar!